O amor em palavras

1. Faz play neste vídeo:


2. Agora lê este poema de amor.

«Voltámos para casa anteontem [sexta-feira], nesse dia sagrado. Não há no mundo maior delícia do que a normalidade. Cada palavra da Maria João soa-me a música amada. Nos livros avisam que a remoção de tumores cancerosos do cérebro pode provocar alterações de personalidade.
Eu tinha medo que ela deixasse de ser a Maria João que eu amo. Mais medo ainda tinha que ela deixasse de me amar. A primeira vez que a vi, poucas horas depois da cirurgia, no remanso dos cuidados intensivos, perguntei-lhe se ela me reconhecia. E ela recuou a cabeça ligada, fez uns olhos de surpresa repugnante e perguntou, com convencimento: “Mas quem é o senhor?”
Nem sequer foi o sentido de humor a primeira coisa a regressar. Nunca se foi embora. A Maria João não recuperou: manteve-se. O milagre não lhe era exterior. O milagre é ela. Ela e todas as pessoas de quem ela gosta, que gostam dela.
Eu bem que tento guardá-la como um segredo. Mas só estou bem, quando tenho a sorte de ouvi-la e a vê-la e a vivê-la. Escrever sobre ela é a coisa mais fácil que faço: é uma preguiça e um prazer, como se conseguisse enganar quem me lê. É virar as costas ao mundo, que vai tão mal. Mas que é um mundo que ainda contém a Maria João, a pessoa que eu amo, que ainda aceita o amor que lhe tenho. Que cresce, ao contrário do cabrão do cancro, previsivelmente, certamente, sem fazer mal; fazendo bem.
Meu grande amor: seja de que maneira for, continua. Mesmo deixando de gostar de mim. Mas continua. Vive!»



3. Respira! 

Recompõe-te!
Limpa as lágrimas!
Abraça!
Beija!
AMA!

Novos Voos: aquele barulho dos ténis (sapatilhas)

http://www.flickr.com/photos/24463988@N00/1809468715/
“ninguém pode saber que este poema é teu.
ninguém pode saber. ninguém pode saber
que este poema. este poema é teu.
sou uma coisa da qual se tem vergonha”.
José Luís Peixoto
Hoje apetece-me contrariar o poeta (que muito aprecio). Não será um poema. É verdade. Mas uma partilha. Uma partilha que quero que todos saibam. Sou (fui) peregrino. Durante três anos peregrinei a pé a Santiago de Compostela. Que aventura. No primeiro ano fiz três etapas a pé. No segundo fiz toda a peregrinação ao volante do carro de apoio. Não são este dois anos que quero partilhar.
No último ano em que fui fiz toda a peregrinação a pé [não há duas sem três; há terceira foi de vez].
Em Valença encontrámo-nos: quem vinha de Cascais e quem vinha do Porto. Primeira noite: em branco. As coisas para falar era imensas. E eu? Só queria dormir. No dia seguinte, bem cedo, antes do sol raiar, partimos. Sabíamos a que horas tínhamos que chegar ao ponto de encontro. E era quase sempre assim, todos os dias.
Mas, conforme os dias ias passando, íamos deixando cair as nossas máscaras. O cansaço, o dormir no chão, o tomar banho de água fria (embora muitos tomassem de água quente), o peregrinar, tornava-nos mais autênticos, mais genuínos, quebravam-se as barreiras alunos/professores. Numa palavra: sentíamo-nos mais livres.
Livres das preocupações. Livres do que nos escraviza diariamente. Livres de preconceitos. Livres para escutar. Livres para amar. Livres para ouvir. Livres para dar graças. Livres para caminharmos sós, em grupo, com Deus.
Aquele barulho característico que fazem os ténis (sapatilhas) sobre as pedras do caminho era música que nos dava ânimo. Quanto mais peregrinávamos, mais livres nos sentimos.
Só assim se poderá entender que um grupo de cerca de 100 pessoas (alunos e professores) que caminham durante uma semana, sem televisão, sem cama, sem o conforto do lar, sem uma quantidade enorme de coisas, quando chega a Santiago chore que nem um bebé. Um choro de alegria, um choro de liberdade.
Bento Oliveira